sexta-feira, 18 de dezembro de 2009




             Simplesmente Eu

  Adaptação teatral feita sobre alguns contos literários da escritora Clarice Lispector. Trata-se de um monólogo, Direção, adaptação e interpretação de Beth Goulart, supervisão de Amir Haddad.
  A peça mescla os personagens retirados dos contos da autora com declarações autobiográficas, em que atriz buscou trazer a própria Clarice Lispector para o palco, compondo uma obra que necessitou de uma árdua busca no submundo interno da escritora, em seus complexos e incomplexos. A conseqüência dessa penetração no eu mais intimo de Clarice, resulta em uma belíssima atuação física da atriz. Segundo Beth Goulart, por ser tratar Clarice de uma escritora tão pessoal, ao se aproximar da obra da escritora, ela se aproximou automaticamente da alma desta, e podemos perceber isso nos mínimos detalhes, que nitidamente tiveram um denso trabalho de observação, não no estereótipo Clarice Lispector, não na casca Clarice Lispector, mas na sua essência, que emana de forma poética e sensível em simplesmente eu, o que nada mais é do que “simplesmente Clarice”.
   Enxergamos Clarice na maneira da atriz segurar o cigarro, no seu olhar profundo e desconfiado, inquieto, e um tanto até ameaçador e ousado. Seu ar triste, solitário, depressivo, nostálgico. Seu corpo pulsante, querendo falar, querendo escrever suas inquietações, a vibração da sua voz, a sua tonalidade e até mesmo a língua presa, que lhe dava um sotaque russo.
  Podemos ver um trabalho de memória corporal, em que as ações, segundo teorias de Stanislawski, sucumbem do interior do corpo envolvendo as percepções do movimento, um trabalho estreitamente técnico, muito mais do que emotivo. Ao ver depoimentos e entrevistas de Clarice Lispector, podemos ver um trabalho de observação minuciosa em simplesmente eu. Não vemos os Sentimentos de Beth Goulart, a memória emotiva de Beth Goulart, mas vemos a alma de Clarice sendo composta no palco através de singelos e minuciosos gestuais nada vazios, gestuais que falam, que gritam e criam forma no palco.
Vemos Beth em cena como se estivesse sendo desenhada, cada movimento de seu corpo é belo de ser ver, é claro, é intencional, preciso e vivo. A peça demonstra claramente a grande diferença entre um gesto e uma ação física, pois nas mínimas ações, nos pequenos deslocamentos da atriz e direcionamento do seu corpo, são traduzidos os sentimentos, a individualidade poética e o universo Clarice Lispector.
                          


Jordana Seixas 



“Sinto-me espalhada no ar, pensando dentro das criaturas, vivendo nas coisas além de mim mesmo, quase esqueço que sou humana”. Clarice Lispector